terça-feira, 6 de maio de 2014

Peitos, bundas e coxas


Peitos, bundas e coxas
Circulam pelos pilotis.
Coxas tonificadas,
Jovens e retesadas
Sob os passos tortos
Das sapatilhas douradas.
Coxas que estiveram
Em Paris – em sobretudo –
E outras que propulsionaram
Bicicletas em Amsterdã.

Coxa sobre coxa:
Quantas pernas não estiveram
Presas ali, congestionadas
Coaguladas
Pela passagem advertida
De um sem-número de outras coxas,
De outras noites.
Na chuva,
As gotas percorrem
Suas veias e estrias
Seus sulcos na epiderme
Revelando seus caminhos
Inebriando seus sentidos.

Numa dessas janelas meio-acesas da madrugada
Pende uma coxa exposta
Pendem corpos sem sono
Ávidos pela pouca luz que a lâmpada produz
Inertes no silêncio absoluto de suas respirações.
Aquela luz que faz enxergar as sombras
O contorno imediato, escurecido
De toda extensão desconhecida
De todo desejo guardado.

As coxas sufocam,
Espremem e ajustam.
Mas também liberam
Outros líquidos que jorram,
Indefinidamente um grito
Que aspira recompor
Os traços das coxas nuas, vivas,

Mas, no fim, solitárias.

domingo, 19 de janeiro de 2014

397

Largo da Carioca
Tarifa R$2,75
Feliz Natal
Obrigado pela preferência.

São umas casinhas
Construídas à margem da Avenida Brasil
Que cheiram a fuligem do ar do céu
Da Avenida Brasil.
Meu coração disparado
Vai pela seletiva
Na passarela 33.

Parada de Lucas
Parque União
Entrada da Ilha,
Bonsucesso, Praça das Nações.

- Sáporque não tinha saído antes contigo?
Minha amiga tinha avisado
Esse cara não presta,
Ele tem cara de safado.
Já pegou a fulana e a outra.
Mas como, tu me ama?
- Sim.

Motel Champion
Promoção 3 H
Apartamento: R$ 42,00
Suíte: R$58,00

São Paulo
Retorno

O, piloto, olha o ponto!

Largo da Carioca
Tarifa R$ 2,75
Obrigado pela preferência

Feliz Natal.

Micro-poemas III



Pai Bourdieu do Collége de France.
Trago a pessoa amada com mesmo habitus em 72 horas.
Desfaço feitiço de poder simbólico
E elimino dominação masculina.

xxx

Bárbara, porque amas se és bárbara,
Se das costas da civilização,
Nem o céu, nem a terra
Um dia saberão
Da Bárbara que se esconde
Por trás dos olhos brilhantes
O fogo, a peste e o medo
Que teu corpo rompe
Na devassidão da noite

E mesmo na timidez do dia.

terça-feira, 14 de maio de 2013

As mãos dadas

Não,
Não parta
Que as mãos partidas
Se perdem, se prendem.
Não têm partido
Senão a parte que lhes cabe
Do amor.
Juntas, não parecem
Mãos
Mas perecem em calor
Em matéria indefinida
Em força, em apertos
Em pulsação
Do sangue que corre em transfusão.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

As mãos

Na bagunça dos corpos,
Sob a desordem dos copos,
Os dedos, calmamente,
Se colocaram entre si
Numa busca inconsistente
Das mãos juntas ali.
Tanto se olharam,
recuaram e avançaram
Para a chance de ter
Um outro tempo,
Na rajada de um vento
Para que possam se rever

terça-feira, 9 de abril de 2013

O banco

O lado vazio do banco
O lado extenso do banco vazio
Espera o tempo,
Espera a vida,
Espera o velho, rabugento,
Só não espera os pombos
Que nele  repousam.
O lado vazio do banco
Não tem lado quando se está vazio.
Somente quando alguém vem
É que há o lado esquerdo e o direito
do coração daqueles que o têm.
O lado vazio é um
(des)
convite,
Para se sentar ao lado, de frente,
Deitado, abraçado
Esquecidamente beijandamando.


O banco da praça,
O banco do ponto,
O banco do trem,
O banco do ônibus,
Desbancam, de longe,
Qualquer encontro.
Afinal, também nos cinemas
Se sentam separados
Um do outro.



domingo, 4 de outubro de 2009

Esperaria a tua resposta por um milênio inteiro
conquanto não ficasse exposta
minha carne diante do Sol,
do vento e da chuva qeu me condena.
Ficaria qual um tolo, burro:
chacotado pelos transeuntes,
ao sentar no meio-fio
e lá servir de alvo às pombas.
Os camelôs me trariam água,
os gatos algum consolo.
As senhoras gordas, segurando fartas bolsas
me surrariam, abrindo
uma chaga nas minhas costas.
Meus livros me fariam companhia
para que não perdesse o português,
assim como jornais de dias passados.
Essas crianças desprovidas de folclore
até fariam um ciranda ao meu redor:

"Se eu tivesse um namorado,
mil beijos teria dado.
Se eu tivesse um noivinho,
beijava com mais carinho.
Se eu tivesse um marido,
dois filhos já tinha tido.
Se eu tivesse um poeta,
tacava-lhe uma panela."

Ficaria imóvel feito árvore
contigenciando forças para lhe ver.
Ao lhe ter os olhos percorrendo a rua
em busca de um destino perdido
o coração pulsa brevemente.
Vem andando com passos torpes
porém ritmados, a boca cantarola
uma canção feliz de nosso tempo,
escuto-a com um pavor suplicante
de uma memória esquecida.
O vento alija a pele, gelando
o suor de nervoso.
A proximidade rasgava-me
a úlcera em meu estômago.
Quando ela chega, pára.

Os dois se olham com a ausência
de mais de milênio.
Ela o esquecera no meio-fio.
Ele se comprometera a esperar.
Os segundos eram muitos
e ficaram se olhando
num deslumbre falso da realidade
esquecida de que amava.
Amara alguém, mas quem seria?
Ele tinha como recordar
o que fizeram juntos e as imagens
se repetiam feito projeção na retina.
E ficaram se olhando
quem seria este rapaz?
Deu meia-volta e partiu como veio.

Ainda calado, resolveu sentar-se
e esperar, talvez, outro milênio.